sábado, 17 de setembro de 2011

EM LETRAS GARRAFAIS



Hoje: parei para pensar. Um dia daqueles em que eu me dou ao trabalho de refletir sobre absolutamente tudo. E o mais famoso dos questionamentos a todo o tempo aparece na minha mente: quem sou eu? Essa é, talvez, uma das mais difíceis perguntas a serem respondidas na minha limitação. Eu nunca sou nem serei uma coisa só, eu não sou apenas uma Bárbara, mas várias. O problema é que insisto em me ver com a perspectiva do olho do outro, ignorando que a melhor pessoa para falar de mim sou eu mesma, já que nós duas estamos fadadas a viver juntas de 7 de setembro de 1989 até depois da morte ou enlouquecimento pelo qual em breve passarei. Está anunciado em letras garrafais.
Então minha alma inquieta e saudosista recorre ao passado na tentativa de explicar o meu presente. Se eu sei quem eu era, talvez possa saber quem sou agora, mas isso não dá certo. É engraçado como olho para trás e não consigo me enxergar, não vejo aquela pessoa como eu, parece uma outra pessoa que habitou meu corpo em um átimo. Na verdade, várias pessoas: em cada fase um anjo e um demônio que dividiam o eu — um deles se sobrepunha ao outro em vários momentos. Se sou assim hoje, talvez seja o que escolhi ser. Talvez.
Mas então uma coisa ficou clara: é por essa sucessão frenética de eus que, às vezes, me pego olhando para trás e não reconhecendo a pessoa que fez isso ou aquilo. A alma carrega segredos, carrega marcas. Vai-se a laceração. Fica a cicatriz. E uma vai se unindo à outra, à outra, e à outra, e constrói displicentemente esse tecido disforme que eu escondo e no qual me escondo.  Voltando à volta ao passado, passado tamanho devaneio. Olhando para trás, por sobre os ombros dou de cara com uma outra eu, que me irrita, me encanta e de quem tenho saudade. É engraçado como o mundo diz que as crianças são frágeis, que precisam de cuidados, se é exatamente essa etapa em que o que somos fala mais alto. Sentir e falar, querer e fazer, não ter medo de parecer ridículo, imbecil, apenas de fantasmas, de extraterrestres, de bruxas dos filmes ou do escuro. Os medos do eu adulto são paranóicos, são trágicos, são dantescos: comem, de minuto a minuto, um pouco do eu. Já os de criança não: se acalmam com doce, se aquietam com colo de mãe. E os de agora? O que faz para passar? O que faz para confortar?
Antes eu escrevia, eu desenhava, eu berrava, eu corria, eu vivia no meu limite do que havia de bom em mim. Até o choro era gostoso, lavava tudo o que atormentava, exauria o coração de mágoas, rancores e dele: o medo. Hoje eu também vivo no meu limite: o limite do cansaço do meu corpo, o limite do cansaço da minha mente, o limite do desespero do meu choro, o limite da sanidade de um cérebro que, por segundos, apodrece. A risada é verdadeira, a alegria é verdadeira, o sentimento bom também. Mas rapidamente as obrigações, o tédio e agitação monótona do meu dia me trazem a essa sensação de não sei o que. Agitação porque não encontro tempo para nada, é difícil ter minutos dedicados a mim, ao terceiro. Uma afobação de quem corre contra aquele grandessíssimo filho da puta: o relógio. A monotonia é o contraponto e consequência, faz-se tanta coisa que o resultado é não ter feito nada. Nada que gosto. Nada que realmente desejo. Nada que me excita. A rotina tem uma boca enorme: engole qualquer um que ouse ser metódico o suficiente para organizar suas ações. Estranho, o caos sempre me atraiu mais...
Quem eu sou? Não descobri. Talvez eu não queira descobrir. Talvez seja melhor nem saber a resposta. Mas quero voltar a ser o limite das coisas boas, lutar contra o dia mecânico que açoita quem precisa cumprir empenhos sociais fatídicos e vitais. Tomei uma decisão: quero um bom pedaço da minha criança de volta. A partir de hoje, cada fragmento do eu será mais verdadeiro, será mais intenso e se libertará do que me prende: eu mesma.


por Bárbara Caldeira

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