sexta-feira, 23 de setembro de 2011

AURORA POENTE DO MEU AGORA

























Matutina, descortina o que há ao redor
Parede sedenta por calor e luz
Se faz do bem, arfando conduz
Oscila entre as cores de então

Digladia com o vento e assopra o coração
Esfarela de saudade: oculta em agonia
Cada aresta nefasta e sombria
Esfola e fere de prontidão

Engole seco e mareja os olhos
Trava a dor e faz doce-de-espera
Deglute o vazio que  venera
Mastiga o que está por vir

Vê, lambe e absorve
Chicoteia parcas alegrias
Deita no sol que se abria
Passa a amar o depois


por Bárbara Caldeira

terça-feira, 20 de setembro de 2011

A BARBA (DELE)







































Ele chega e ela vem
Se aproxima como um ímã
Em um instante faz assim:
Roça-roça-que-roça-em-mim

Espetada e faz cosquinha
Espevitada e faz gracinha
Desliza pelo pescoço
Arrepio até o osso
Gentilmente me provoca
Sutilmente me convoca
A roçar nela assim:
Roça-roça-que-roça-em-mim

Gargalhada alta
Geladinho na barriga
Ela grande-enorme abriga
O ai-ai que há em mim

Bagunçada sôfrega
De pirraça se esfrega
A fala nega
Mas o impulso não
A voz sai entre os dentes
Sussurrando hálito quente
Pede, lânguida, assim:
Roça-roça-que-roça-em-mim


por Bárbara Caldeira

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

TÃO PERTO, TÃO DISTANTE

Noite sem dormir e uma dor que dilacerava qualquer chance de um sono pacato.  Virei para um lado, para o outro, de cabeça para baixo: em vão. Busquei por você: apesar de estar lá, não veio ao meu encontro. As horas se passaram, a dor se intensificou: latente, latejante. E eu contemplava você ali, adormecido, com o corpo encaixado de um jeito cômodo. Ensaiei chorar, berrar, infernizar sua noite para que sentisse exatamente o que eu estava sentindo: solidão pontiaguda, sufocante. Isolamento que arranhava, com garras afiadas, cada porção da pele que você tanto ama.  O que aconteceu com todo aquele carinho, todo aquele cuidar, querer bem? Onde estavam as suas mãos, o seu corpo ardente para me aquecer do frio que penetrava cada célula e cada pensamento? A poucos centímetros de mim, mas se recusavam a oferecer qualquer abrigo. Se a situação fosse como de outrora, em que te dei  calor, saliva, suor e deleite, estaria tão indiferente como agora? Ou estaria bebendo de mim cada gota, sorvendo cada momento?
A manhã chega, petulante, presunçosa: acha que eu a evoquei. E então você desperta sem muito querer, me toca com  displicência, permitindo que eu desfrute das migalhas de afeto que resolveu me dar por benevolência. Se levanta, vai embora e deixa uma lacuna: a cama vácua. Foi o suficiente para você.


por Bárbara Caldeira

domingo, 18 de setembro de 2011

TÍPICO DE DOMINGO


Domingo. Sempre achei domingo um dia dual. Começa gostoso, levinho. Mas as horas vão passando e uma estranha melancolia vai tomando conta do corpo. Parece que estou me despedindo de alguma coisa, algo está sendo arrancado brutalmente de mim: o meu precioso e aguardado sossego do final de semana.

Claro que existem vários momentos bons em um dia de domingo: você pode encontrar sua família, amigos, assistir a um bom filme, ler, ouvir música, ir ao cinema ou qualquer outra coisa. Mas as atividades básicas de um fatídico domingo são quatro, que brigam entre si pelo teor do balanço de sentimentos ao repousar de cabeça:

1) Dormir: Domingo pede sono e a gente aceita. Acordar bem tarde, devorada por uma preguiça voraz e desejando dormir ainda mais faz parte do cronograma. Apesar de revigorada, percebo que essa atividade consome um quinhão representativo das 24 horas a serem desfrutadas antes que chegue a famigerada segunda-feira.

2) Comer: É um desespero gastronômico. Comer porque estou feliz, comer porque dietas só começam nas segundas-feiras, comer porque domingo é dia de coisa gostosa, comer por ansiedade, prevendo que a semana será uma agonia sem fim. Quanto mais como, mais fome aparece: o estômago parece insaciável.

3)  Lamentar por amanhã ser segunda-feira: A sensação está presente desde a hora em que os olhos titubeiam em abrir e a viagem onírica cessa abruptamente, mas se intensifica a cada porção do dia que deixa de ser futuro e se torna passado. Começar tudo de novo: a rotina, as situações embaraçosas, as explosões coléricas, o infortúnio do desânimo. Despedir-me dos dois dias serenos e promissores e preparar-me para a violência moderna com a qual vou me deparar: sonhos interrompidos, retorno às coisas vis e medíocres.

4) Lamentar por ter lamentado: Percebo o pessimismo me seduzindo e resolvo partir para um viés antagônico e mais positivo. Fui presenteada com uma pausa daquelas batidas frenéticas e pude rir entre os meus daquelas situações que, de segunda à sexta, me pareceram “insolucionáveis.” Agora, mais uma batalha se trava, e é minha responsabilidade resistir à euforia e flacidez da normalidade. Que venha um novo começo.  


por Bárbara Caldeira

sábado, 17 de setembro de 2011

EM LETRAS GARRAFAIS



Hoje: parei para pensar. Um dia daqueles em que eu me dou ao trabalho de refletir sobre absolutamente tudo. E o mais famoso dos questionamentos a todo o tempo aparece na minha mente: quem sou eu? Essa é, talvez, uma das mais difíceis perguntas a serem respondidas na minha limitação. Eu nunca sou nem serei uma coisa só, eu não sou apenas uma Bárbara, mas várias. O problema é que insisto em me ver com a perspectiva do olho do outro, ignorando que a melhor pessoa para falar de mim sou eu mesma, já que nós duas estamos fadadas a viver juntas de 7 de setembro de 1989 até depois da morte ou enlouquecimento pelo qual em breve passarei. Está anunciado em letras garrafais.
Então minha alma inquieta e saudosista recorre ao passado na tentativa de explicar o meu presente. Se eu sei quem eu era, talvez possa saber quem sou agora, mas isso não dá certo. É engraçado como olho para trás e não consigo me enxergar, não vejo aquela pessoa como eu, parece uma outra pessoa que habitou meu corpo em um átimo. Na verdade, várias pessoas: em cada fase um anjo e um demônio que dividiam o eu — um deles se sobrepunha ao outro em vários momentos. Se sou assim hoje, talvez seja o que escolhi ser. Talvez.
Mas então uma coisa ficou clara: é por essa sucessão frenética de eus que, às vezes, me pego olhando para trás e não reconhecendo a pessoa que fez isso ou aquilo. A alma carrega segredos, carrega marcas. Vai-se a laceração. Fica a cicatriz. E uma vai se unindo à outra, à outra, e à outra, e constrói displicentemente esse tecido disforme que eu escondo e no qual me escondo.  Voltando à volta ao passado, passado tamanho devaneio. Olhando para trás, por sobre os ombros dou de cara com uma outra eu, que me irrita, me encanta e de quem tenho saudade. É engraçado como o mundo diz que as crianças são frágeis, que precisam de cuidados, se é exatamente essa etapa em que o que somos fala mais alto. Sentir e falar, querer e fazer, não ter medo de parecer ridículo, imbecil, apenas de fantasmas, de extraterrestres, de bruxas dos filmes ou do escuro. Os medos do eu adulto são paranóicos, são trágicos, são dantescos: comem, de minuto a minuto, um pouco do eu. Já os de criança não: se acalmam com doce, se aquietam com colo de mãe. E os de agora? O que faz para passar? O que faz para confortar?
Antes eu escrevia, eu desenhava, eu berrava, eu corria, eu vivia no meu limite do que havia de bom em mim. Até o choro era gostoso, lavava tudo o que atormentava, exauria o coração de mágoas, rancores e dele: o medo. Hoje eu também vivo no meu limite: o limite do cansaço do meu corpo, o limite do cansaço da minha mente, o limite do desespero do meu choro, o limite da sanidade de um cérebro que, por segundos, apodrece. A risada é verdadeira, a alegria é verdadeira, o sentimento bom também. Mas rapidamente as obrigações, o tédio e agitação monótona do meu dia me trazem a essa sensação de não sei o que. Agitação porque não encontro tempo para nada, é difícil ter minutos dedicados a mim, ao terceiro. Uma afobação de quem corre contra aquele grandessíssimo filho da puta: o relógio. A monotonia é o contraponto e consequência, faz-se tanta coisa que o resultado é não ter feito nada. Nada que gosto. Nada que realmente desejo. Nada que me excita. A rotina tem uma boca enorme: engole qualquer um que ouse ser metódico o suficiente para organizar suas ações. Estranho, o caos sempre me atraiu mais...
Quem eu sou? Não descobri. Talvez eu não queira descobrir. Talvez seja melhor nem saber a resposta. Mas quero voltar a ser o limite das coisas boas, lutar contra o dia mecânico que açoita quem precisa cumprir empenhos sociais fatídicos e vitais. Tomei uma decisão: quero um bom pedaço da minha criança de volta. A partir de hoje, cada fragmento do eu será mais verdadeiro, será mais intenso e se libertará do que me prende: eu mesma.


por Bárbara Caldeira