quarta-feira, 31 de outubro de 2012

UM PASSO PARA FRENTE, DOIS PARA TRÁS

Eu não sabia que, se eu olhasse por outro ângulo, o cinismo seria sua característica predominante. Para ser franca, eu tenho ódio do jeito como você levanta as sobrancelhas e teima em contrariar minhas esperanças de que, no fundo, você se importa. Mentira por mentira, vivo com o que já tenho. Emoção por emoção, esse ponto já é suficiente para mim.

Mas, confesso, não contava com a obsessão sombria que você desenvolveu. Um hábito degradante – para mim e para você, não se engane – de blindar as minhas palavras. De ser leviano o suficiente para fingir que não está nem aí. É chato. Sei que gosta disso, posso até visualizar o que se passa nesses emaranhados perversos e torpes que são seus pensamentos. Você se orgulha de parecer coerente, de parecer de convincente, de parecer comum. Eu me orgulho de saber que você é muito ego pra pouca casca.
Consegui também meus próprios escudos, se isso acaso possa lhe interessar. No começo deixei passar – foi descuido. Erro meu, egoísmo seu. Contrária ao que é corriqueiro no seu universo, tenho verdadeira repulsa da forma como você ignorava qualquer tentativa de avanço. Um passo para frente, dois para trás. Sério, por que ser tão previsível assim?

Depois que detectei o que simplesmente negava na tentativa absurda de te fazer bem melhor do que você é, estou pronta. Realmente pronta para subverter e atacar tudo o que parece real para você. Abalo seu mundo, abalo as convicções de alguém com ínfima capacidade de ir além da ligação de dois pontos. Sim, eu sinto desprezo. Mas eu sou capaz de simular a mais efervescente vontade e cravar momentos na sua memória só pra ver sua desilusão no final. 

por Bárbara Caldeira

segunda-feira, 4 de junho de 2012

SOBRE IMAGENS, SONS E LACUNAS






Perdidos em um cenário em que sons, imagens e outros apelos competem para ver quem leva vantagem, comumente escolhemos a alternativa mais fácil ou mais cômoda: observar tudo superficialmente. Não sei se é impressão minha, mas tenho notado que muitas vezes tratamos de forma leviana o que foi construído com uma proposta incrível e “endeusamos” outras carentes de embasamento, mas bonitinhas. 


Não estou dizendo aqui que o certo é empreender uma busca incessante para achar sentido para tudo, mesmo porque eu não acredito no certo. Muitas vezes o mais gostoso é receber um convite para a interpretação. Uma imagem ou uma música podem até carregar o fio condutor para um significado compartilhado, mas o entendimento é individual e exclusivo. Que ótimo! Dessa forma tudo fica mais incrível justamente pela diversidade, não é? Mas, então, porque diabos insistimos em ver apenas o queremos ver? Porque não nos permitimos ver além, pensar fora da caixa?


Quando eu fico matutando sobre isso uma comparação me vem à cabeça. Tenho uma cachorra chamada Kira. Como praticamente todo mundo, falo com voz empolgada e carinhosa quando está tudo bem e em tom grave e seco quando preciso dar uma bronca. Então faço hora com a cara dela: xingo com o tom de voz e gestos carinhosos e elogio com postura de quem está xingando. O que acontece? Pouco importa o conteúdo do que eu estou falando. Ela se atém apenas à aparência do que está acontecendo. Está condicionada.


Eu não me sinto diferente da Kira. Acredito que praticamente todas as pessoas não são. Relevamos a mensagem a segundo plano e nos apegamos ao apelo imagético, fonético (é isso mesmo, produção?) ou qualquer um que seja. E aquela música que você canta, canta e nunca parou para analisar a letra? Ou um símbolo que virou modinha e você usa em tudo quanto é roupa-sapato-facebook-o-escambal e que se esqueceu de refletir sobre o que ele quer dizer? 


Com a fotografia – tinha que falar da danada em algum lugar, né? – não é diferente. Aquela que é bem feita tem uma proposta. Tem uma energia. Tem um chamado. Pede interação. Foi feita com técnica, com cuidado e atenção aos detalhes. Não importa de qual tipo é, até as mais espontâneas são arquitetadas. Aí vira sacanagem quando, no ápice desse processo, momento no qual aquele que a vê deveria completar as lacunas para torná-la fantasticamente individual, rola uma preguiça. Um chute na cara da pobre coitada.


Felizmente esse quadro pode ser diferente para quem se propuser a escolher o outro caminho. Pensar no “como”, no “porque”, no “para que” ou arriscar qualquer outra perguntinha vale a pena. Divagar sem ter limites ou se censurar vale a pena. Pensar sobre qualquer coisa vale a pena. Ou o sorriso na foto sempre será alegria, uma lágrima sempre será tristeza ou a beleza sempre estará exclusivamente no que for agradável aos sentidos.

por Bárbara Caldeira


quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

SEM ENTRISTECER





Tem gosto de risco. Sempre tem. Mais dia menos dia, chega o momento em que a decisão difícil deverá ser tomada. Eu sei, existem muitos caminhos. Não consigo crer que um seja exatamente o certo. Acho que algum, em determinado momento, vai me conduzir para o que eu tenho que passar.

Se me reviro por dentro e sorrio por fora, bem, não foi sempre assim.  Um dia, acredite, eu externava toda a fúria ou o desespero e não parecia eloquente o bastante. Quase. Sinceramente quase me entrego assim nesse ou em outro momento, mas se eu respirar... Passou. O que faço então? Cultivo a serenidade em mim? Ou será mais certo esbravejar e gritar em um ouvido inexistente?

E se eu ficar invisível, o que acha da proposta? Então era uma vez uma certeza e o que eu fiz com ela? Neguei? Cuspi? Não, não se anime. Não vou voltar atrás e dizer que faria as coisas de outra forma porque isso seria uma mentira sem tamanho. Eu simplesmente precisei tomar um rumo da estrada, escolher o melhor pra mim naquela bifurcação. Não vou me lamentar. Não vou perdir para você concordar e não vou escutar quando me pedir para ficar. Não vou esquecer o que passei, por mais que nessa hora tudo pareça bem doce. Minha vida em tons pastel com cara de marshmelow daqueles que a gente come sem nem fazer cosquinha. Mas se soubesse o gosto que tem na minha boca agora, teria feito de tudo para não me ver ir embora, não teria esmigalhado com tanta vontade o pouco que sobrava da minha calma e paz.

Não vou fazer força pra isso agonizar menos, não vou me esforçar para amenizar o choque, o baque e o tapa. Não vou correr, eu sempre estive aqui. Mas, por favor, tire esse sorriso do rosto quando for sair de cena. 

por Bárbara Caldeira

terça-feira, 18 de outubro de 2011

O ESPASMO

Ele me fitou sem fazer estardalhaço. A passos largos e cadenciados, fez com que eu desejasse a mais completa aproximação. Inclinou um pouco a cabeça quando seus olhos pararam, sem espanto ou alarde, nas minhas cicatrizes. Sorriu, sossegado. Ali estava ele. Sereno, puro e transparente, reluzindo fortemente como um clarão que oferece nada além do que apenas sua estonteante beleza. Não pediu nada além de um pouco de zelo. O contorno alvo, imperceptível ao admirar alheio, em contraste com os olhos de um negro profundo lhe conferiam uma palidez venerável. Doce e melancólico, queria me dizer algo mais. Pedia, apenas, para que eu cedesse.
Abraçada fui por uma onda de expectativa e medo, enquanto percebia o mais cálido corpo que ansiava pelo meu, em fome. Senti, de súbito, a emanação violenta que aqueles sussurros eram capazes de me causar. Cada sopro só fez umedecer meus cabelos e esquentar meu sangue, impulsionando a mais asilada das concentrações. O desejo de vibrar o adormecido imiscuía-se à letargia  deliberada que espancava minhas vísceras.
Não podendo mais me conter, renunciei a qualquer hesitação. Pude senti-lo, mãos ansiosas,  respiração difícil. Arfava a cada lampejo de consciência que me acometia. Mas não poderia não poder, não poderia negar o que simplesmente não se pode negar. A parte de mim que havia nele emancipou-se e flutuou, me procurando com olhar de quem sabe o que quero. Realmente sabia,  como queria que não soubesse... Pressionou seu corpo frágil e trêmulo sobre o meu ainda com mais vontade, me engolindo em beijos candentes e usurpando minha vida em sua saliva quase cáustica. Não pediu licença para explorar cada pedaço, não se intimidou com qualquer tentativa débil de reprovação. Sua voz era musical, com falhas causadas pelo desespero incontrolável do desejo... Mas aquela imperfeição a deixava ainda mais convidativa...
No compasso convulso com que seu corpo balançava, a boca se entreabria em agonia aspirada e insuportável. O abalo cada vez mais forte, mais veloz, mais intenso. O cheiro torturante que alimentava o apetite cada vez maior do meu corpo, que se espalhava por sobre aquele em um fluxo perfeito. Então, ansiado, com voracidade jamais experimentada, o espasmo. O espasmo e a luz. E o som. E a luz.

por Bárbara Caldeira

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O INCRÍVEL NOVO

A chuva que cai vai levando todo o pesar que um dia, bem mesmo ontem, queria esmagar as minhas esperanças de vida nova, menos patética e mais atraente. Sim, eu sinto o novo, sinto o inédito, sinto o frenético e o inevitável: o movimento pelo qual eu esperei nesse fim de luz. Agora, me deparo com um talho mal feito na minha pele, mas que permite entrar uma espumosa junção promissora de mistério e excitação. Uma bruma que mais mostra do que esconde.

As gotas que caem penetram até o mais impenetrável do meu corpo: rasgam adentro com afinco, buscando suprimir cada tecido deteriorado e substituí-lo por algo mais viçoso. A superfície vai desgastando, corroída pelo tempo e pelas lágrimas. E, por debaixo e pelo torpor, posso ver pequenos seres cheios de artimanhas que se desprendem um a um e salpicam cores que desnorteiam meus sentidos. Elas dançam displicentemente ante meus olhos, que esperam o mais incrível dos fenômenos: o novo. Giram no alto provocando a atenção e chamando para o mais incrível do que quero: o novo.

O cheiro é limpo e fácil e ocupa o espaço de todo aquele ar espesso e de olhares lancinantes, que antes mutilavam o que até conserto tinha. A voz é calma e percorre seu caminho com fluidez espantosa, emite aquilo que explode e reverbera por dentro. E cresce, cresce e estoura, espalhando sua fluidez. Nesse agora, faço o que corre incansavelmente pelas veias procurando nunca achar. É tempo. É tempo de menos e de melhor. É tempo de retomar e redimir. É tempo de retornar e resignar. É tempo de suavizar a dor. É tempo de designar.  É tempo de lembrar e esquecer, é tempo de desejar e ansiar em ritmo crescente. É tempo de ritmar; é tempo de ritmo. Dê-me ritmo. É o incrível novo.


por Bárbara Caldeira



sexta-feira, 23 de setembro de 2011

AURORA POENTE DO MEU AGORA

























Matutina, descortina o que há ao redor
Parede sedenta por calor e luz
Se faz do bem, arfando conduz
Oscila entre as cores de então

Digladia com o vento e assopra o coração
Esfarela de saudade: oculta em agonia
Cada aresta nefasta e sombria
Esfola e fere de prontidão

Engole seco e mareja os olhos
Trava a dor e faz doce-de-espera
Deglute o vazio que  venera
Mastiga o que está por vir

Vê, lambe e absorve
Chicoteia parcas alegrias
Deita no sol que se abria
Passa a amar o depois


por Bárbara Caldeira

terça-feira, 20 de setembro de 2011

A BARBA (DELE)







































Ele chega e ela vem
Se aproxima como um ímã
Em um instante faz assim:
Roça-roça-que-roça-em-mim

Espetada e faz cosquinha
Espevitada e faz gracinha
Desliza pelo pescoço
Arrepio até o osso
Gentilmente me provoca
Sutilmente me convoca
A roçar nela assim:
Roça-roça-que-roça-em-mim

Gargalhada alta
Geladinho na barriga
Ela grande-enorme abriga
O ai-ai que há em mim

Bagunçada sôfrega
De pirraça se esfrega
A fala nega
Mas o impulso não
A voz sai entre os dentes
Sussurrando hálito quente
Pede, lânguida, assim:
Roça-roça-que-roça-em-mim


por Bárbara Caldeira